Eu que não "conjulgo" o verbo
Fácil o "senhô" dizer
O que já experimentou da dor?
Da raiva?
Angústia?
Ou solidão?
Tu que chega e tem os pratos feitos
O abraço de tua tia
O calor da família
Tem um teto onde não te falta nada
Como pode falar da dor
Se apenas conheceu o amor?
Nunca andou imundo em farrapos
Não passou um dia de fome
Não tirou do lixo o sustento
Não andou arrasto pelas ruas,
Pelos becos
O que você sabe da raiva?
Tu que pode dar-te ao luxo de sentar e escrever
Sentar e desenhar
Sentar e estudar
O que sabe da angústia?
Eu que passei fome,
Andei descalço,
Gritei ao mundo surdo
Berrei socorro
Quebrei a cara
Chorei sozinho
Cheguei ao cansaço
Sofri as dores
Só
(sei o que é dor)
Eu que sei respeitar o tempo
Que senti cada segundo da dor
Do estômago vazio
Da carne fraca,
Da perna bamba
(eu bem sei o que é solidão)
Eu descobri a força de ter que pegar a enxada
Plantar a semente
Colher o sustento
(eu sou minha própria mãe e meu próprio pai, mas nunca fui filho)
Tenho uma vida confinada,
Fadada,
Exausta,
Acabada no cansaço
Tu que vai a farra
Que anda em bons trajes
Que canta
Que dorme
Que sabe "dotô"?
Me acha fraco
Me acha nojo
Me acha infantil
Mas o "senhô" não sabe quem sou
Fala por onde devo andar
Sendo que já andei nos quatro cantos
E sozinho aprendi a caminhar
Então "dotô"
Não venha me falar verdades
Ditar maturidades
Você não sabe nada
Nada de humanidades
Não entendo das leis
Mas sei o que é guerra
E como é ser forte.
Keroline Sam Martins Labes
Pelo direito a dignidade humana e a igualdade social.